domingo, 25 de setembro de 2011

Senhor punk


Canibal Vegetariano
A história dele confunde-se com a história do punk brasileiro. Há 30 anos ele toca guitarra e canta na banda Inocentes. Antes, fez parte das lendárias bandas Restos de Nada e Condutores de Cadáver. Atualmente, é pai de família, produtor, apresentador, agitador cultural, entre outras funções. Conheça mais sobre esta lenda do punk nacional em uma entrevista exclusiva.

Canibal Vegetariano: Cara, para começar, qual a principal diferença entre o Clemente de 1978, quando começava o punk no Brasil, e o Clemente da atualidade, no início da segunda década do século XXI?
Clemente: Todas as possíveis, em 1978 eu tinha 15 anos, o país estava sob ditadura militar, o inimigo era claro, era esse tal de “sistema capitalista”, o punk era uma novidade e havia espaço para se experimentar e criar, não era nada de protesto pelo protesto, havia a arte de confronto e a quebra de tabus.
Hoje o punk não é nenhuma novidade, há anos as bandas novas repetem fórmulas já batidas, é apenas o protesto pelo protesto, ninguém experimenta mais, ficou muito chato, eu tenho 48 anos, o inimigo não é mais tão claro, é uma tal de “globalização” e vivemos sob uma democracia que vem dando certo apesar de não ser perfeita, pois essa perfeição é uma ilusão.



CV: "Nós estamos aqui para revolucionar a música popular brasileira, pintar de negro a asa branca, atrasar o trem das onze, pisar sobre as flores de Geraldo Vandré e fazer da Amélia uma mulher qualquer." Esta frase ainda é válida ou foi mais um desabafo de momento? Qual frase você usaria hoje?
C: Era ela válida para o punk paulistano naquele momento, daquele contexto, hoje ela faz parte da história, não tenho nenhuma frase tão boa para hoje em dia, o mundo e o país mudaram muito, até o punk mudou.

CV: Você atualmente toca com a Plebe Rude, é líder dos Inocentes e tem vários trabalhos na Internet, é casado e pai. Como você consegue lidar com tudo isso? 
C: Não consigo, hahahahaha! É muita coisa, toco na Plebe, Inocentes, Jack & Fancy (minha banda com a Sandra das Mercenárias), tem o Combat Rock, com o Redson do Cólera, Ari do 365, Mingau do Ultraje, sou apresentador no Showlivre.com, DJ e produtor. Isso que dá ter 3 filhos, tem que trabalhar hahahaha!

Canibal Vegetariano

"Somos mal informados, existe um controle da mídia sobre nós, acontecem coisas que não sabemos direito o que são de verdade" Clemente ao Fanzine Canibal Vegetariano

CV: O João Gordo do Ratos de Porão foi chamado de traídor do movimento em determinada época do século passado por causa de mudança de estilo. Você também foi chamado de traídor alguma vez? Como rolou o lance dos Inocentes, em meados dos anos 80, do século XX, gravar por uma gravadora multinacional?
C: Estávamos de saco cheio da cena, que se preocupava mais com as brigas do que com a música, ninguém chamava os briguentos de traidores, e eram eles que impossibilitavam o movimento,  eles fecharam todas as portas que se abriam para nós, encheu o saco tudo isso. Normal sem problemas, se ser punk era ser conivente com aquela idiotice, sou traídor com muito orgulho.
Fomos para a Warner, tocar para quem estava interessado em música e foi ótimo, ficamos conhecidos no Brasil inteiro e os considerados nossos melhores discos foram lançados pela Warner, foi bem positivo.


CV: Cara, vi o documentário "Botinada" várias vezes e a pergunta que não quer calar. Onde começou o movimento punk no Brasil. São Paulo ou Brasília? E comente sobre suas bandas no início de carreira, Restos de Nada, Condutores de Cadáver.
C: Ora, começou em todos os lugares ao mesmo tempo, é claro que aqui ganhou características de movimento muito antes pois, era tudo maior, eu comecei a tocar em 1978 com o Restos de Nada e ouvia punk e pré-punk desde 1976, acho que fomos bem precoces, saí do Restos para tocar no Condutores de Cadáver que foi a base do movimento punk, organizamos um festival em pleno Carnaval de 1980, havia punks pela cidade toda, diferente de Brasília que era uma turma só, mas acho que tudo começou junto, na Bahia tinha o Marcelo Nova e sua turma e por aí vai, é que falamos que o movimento começou aqui por que nos outros lugares não tinha as condições que caracterizam um movimento, mas sim o contato com a música punk.


Canibal Vegetariano

CV: Cara, no começo do movimento, podemos chamar assim?, Havia muitas gangues e brigas. Como é atualmente o comportamento do pessoal, principalmente os mais jovens, que frequenta shows punks, principalmente da galera pioneira, no caso, Inocentes, Cólera, Olho Seco entre outras.
C: Costumo dizer que nos shows do Inocentes vão até punks hahahaha! Vem de tudo, gente jovem, mais velha, o legal que o clima é sempre tranquilo, embora a música não seja hahahahaha!
Quando tocamos junto com Cólera, Garotos e coisa e tal, vai um pessoal mais punk mesmo, metal, skatista, mas é sempre legal.
É engraçado notar que sempre existe essa preocupação com as brigas e as gangues, parecem que eles marcam mais que a música, ganham mais destaque na mídia que a música, isso cansa, mas o povo gosta de consumir esse tipo de coisa.





CV: Qual sua opinião sobre as bandas que surgem atualmente, exemplos como Restart, Cine, entre outras? E aproveitando, o que você pensa sobre as bandas que insistem em manter-se no underground?
C: Que tipo de opinião sobre o Restart? Sempre existiram banda assim, não sei o que incomoda tanto, ou eu teria que me preocupar em fazer música para adolescente deslumbrado? Já as bandas que insistem em se manter no underground,  se elas estão felizes está tudo bem, cada banda tem seus objetivos e propostas é assim que tem que ser, nós continuamos no underground, o ruim é a falta de estrutura, isso é ruim, para todo mundo.

CV: Você acredita que atualmente a Internet é a melhor ferramenta para conhecer novas bandas e promovê-las?
C: Atualmente sim, é uma ferramenta maravilhosa, possibilitou que uma cena alternativa se estabelece, possibilitou a não dependência da grande mídia, isso é ótimo. Mas fazer boa música ainda é importante, não tem Internet que salve uma música ruim.

CV: Fale sobre seus trabalhos atuais, eles são voltados para um público segmentado?
C: Nunca se pensa nisso quando se faz um trabalho, sempre se espera atingir o número maior de pessoas possível, não dá para achar que um determinado tipo de público merece seu trabalho e outro não. A segmentação pode acontecer naturalmente, determinadas pessoas curtem um determinado tipo de música, como diria o Cramps, “Música ruim para pessoas ruins”.

CV: Cara, o "Musikaos" era um programa sensacional, que abria espaço para várias formas de arte, principalmente o pessoal do underground. Como rolou o convite para você ser produtor do programa e qual o motivo para o fim da apresentação?
C: O Musikaos foi uma das melhores coisas que fiz na vida, éramos felizes e sabíamos, hahaha! O convite rolou porque eu fazia um projeto de oficinas com bandas de garagem pela periferia de São Paulo, organizava shows, mostras em parceria com as Secretarias de Cultura da Prefeitura e do Estado, além do SESC, sem falar que era produtor artístico da gravadora Paradoxx e era responsável pelos álbuns dos Garotos Podres, Pavilhão 9, Ratos de Porão, Skamoondongos, Skuba e etc. Quando o Gastão me ligou, eu estava ensaiando com o Inocentes, ele me falou por cima e eu topei na hora, nem sabia o que fazia um produtor musical em um programa de TV, fui aprender fazendo e as reuniões de pauta eram divertidíssimas, o diretor Pedro Vieira era ótimo. Mas a TV Cultura sofreu um corte de verba e como o Gastão havia decidido morar em Florianópolis resolveram acabar com o programa.
Canibal Vegetariano

CV: Agora vamos falar um pouco dos Inocentes. O que te motiva, depois de mais de 20 anos, tocar na mesma banda? Quais os planos para o futuro?
C: Na verdade são 30 anos de Inocentes este ano, as vezes me faço essa pergunta, o que me motiva? São canções poderosas que funcionam com aqueles caras, mas já sinto sinais de cansaço, realmente tocar “Pânico em SP” o resto da vida enche o saco, o público não presta muita atenção nas músicas novas e tem muita coisa boa, vamos lançar um disco comemorando esses 30 anos e vão ter algumas inéditas e várias versões diferentes de músicas antigas.

CV: Cara, como surgiu a letra "Pânico em SP"? Em 2006, quando houve ataques do PCC, vários jornais citaram trechos da letra. Seria algo profético?
C: Não era nada profético era só uma constatação, somos mal informados, existe um controle da mídia sobre nós, acontecem coisas que não sabemos direito o que são de verdade, porque será que o PCC parou de atacar? Parece um acordo de cavalheiros. A letra é atual porque, simplesmente, a situação não mudou, por isso parecia profecia, muita gente sabia que isso aconteceria uma hora.

CV: Qual o momento de maior alegria em sua carreira musical e qual a pior época?
C: A maior alegria foi gravar o “Grito Suburbano”, foi algo mágico, não fazia ideia que era possível gravar um disco de verdade. Já a pior época foi logo que saímos da Warner, sem shows, sem grana e nem os punks apareciam para falar mal de nós hahahahahaha! Foi uma fase difícil.

CV: Clemente, qual dica você dá para aquele guri, ou guria, que está pensando em comprar guitarra, uma bateria ou um baixo e formar uma banda?
C: DESISTA! Não faça uma besteira dessas hahahahahahaha!
Ah! Sei lá, se vire, ninguém me deu dica nenhuma, faça o que seus instintos mandam é isso.


CV: Cara, quem são seus amigos na atualidade? Existe amizade com membros de outras bandas que começaram a carreira junto com você? E como é o relacionamento dos pioneiros com os novatos?
C: Adoro conversar com o Wander Wildner, com o pessoal do Garotos Podres, principalmente o Sukata, o Redson do Cólera, o Ari do 365, o Mingau, a Sandra das Mercenárias, sei lá todos meus parceiros do Inocentes e Plebe Rude, Rodrigo Cerqueira do Firebug, Wellington do Skamoondongos. Sei lá, conheço e convivo com muita gente, o Tibira do Vegas, o Porkão do CB, todo mundo no Showlivre, os roadies das bandas são meus amigos. Muita gente.

Canibal Vegetariano

"Nós estamos aqui para revolucionar a música popular brasileira, pintar de negro a asa branca, atrasar o trem das onze, pisar sobre as flores de Geraldo Vandré e fazer da Amélia uma mulher qualquer." Clemente, nos primórdios do punk, no Brasil, na década de 70



CV: Qual sua opinião sobre Dilma Roussef presidente? É muito cedo para analisar?
C: Nenhuma né, é cedo ainda. Já o Lula foi muito acima das expectativas, é que tem gente que projeta todos os seus problemas em cima da figura do presidente, se tem um buraco na rua dele a culpa é do presidente, ele esquece que existe o sub-prefeito, o prefeito, o governador, o deputado, o senador e coisa e tal, a culpa é sempre do presidente e não é assim, mas se ele age dessa maneira esquece de cobrar quem ele devia cobrar de verdade e fica tudo na mesma. Sou pragmático e não acho que um presidente vai mudar o país sozinho, todo mundo tem que participar, fazer sua parte e cobrar das autoridades certas ajuda muito. O país será melhor, quando formos melhores.

CV: Cara, agradeço demais pela entrevista e peço que faça seus comentários finais. Um abraço.
C: Essa foi a segunda entrevista mais longa da minha vida hahahahahahaha! Mas foi bem legal, é isso. Valeu por me convidar.













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