domingo, 22 de março de 2015

Histórias sobre dono de loja de disco e seus clientes

Arquivo Pessoal
Galero que acompanha o zine/blog Canibal Vegetariano, atenção. Em algumas publicações, vamos relembrar textos de André Fiori, dono da maravilhosa loja Velvet CDs, na 24 de Maio, em São Paulo. Há pouco mais de 10 anos, Fiori escrevia uma coluna que chamava-se "Atrás do Balcão", na revista Zero, uma das melhores a aparecer no mercado editorial nacional.
A ideia de publicar esses textos surgiu como uma homenagem a essas pessoas valentes que seguem com suas lojas. Para quem não sabe, a pessoa que escreve essas mal traçadas linhas já foi gerente de loja de discos e dono de uma, mas ambas faliram, vejam quanta competência deste cidadão. Mas a Velvet segue firme e vamos trazer a vocês ótimas histórias de pessoas que frequentam lojas de discos.

Comprando na surdina

Por André Fiori

O músico Jools Holland, que apresenta um dos programas mais legais da TV inglesa, disse uma frase curiosa: "pessoas em uma loja de discos são como 'junkies' atrás de uma picada". Exagerou, mas não esté de todo errado. Quantas vezes você já se deparou olhando para sua pilha (geralmente enorme) de CDs e LPs e disse para si mesmo: "putz, não tenho nada para ouvir".
Só que o assunto que trataremos aqui é outro: o drama das pessoas que precisam comprar CDs escondido. Sim, isso existe. Muitas vezes, na hora de fazer uma encomenda, quanto anoto o telefone, a pessoa avisa: "olha, quando você ligar, para avisar que chegou, não diga que é da loja de CDs, inventa qualquer outra coisa."
Os motivos são vários. A esposa que não pode saber que o sujeito está gastando. A mãe que não quer que o filho "gaste dinheiro com besteiras". A namorada que pensa que o cara economiza para casar. Gente insensível, que nem desconfia que música é gênero de primeira necessidade. As desculpas são muitas. Na maioria das vezes, na hora de ligar, digo que "sou amigo da faculdade", ou do colégio. Neste aspecto, o advento e-mail veio bem a calhar.
É mais comum do que você imagina o cliente que, após voltar da loja para casa, precisa criar os mais intrincados esquemas para não dar bandeira. O procedimento mais comum é o do "cd emprestado: "esses CDs aqui? Ah, são emprestados." Depois é só esperar um tempo, jogar na estante, que passa batido.
Em casos de exagero, periga não dar certo. A mãe de um conhecido nosso acabou percebendo: "mas filho, se você não compra mais discos, como é que essa pilha não para da crescer?" Houve o caso daquele que criou um zine e começou a enviar CDs para ele mesmo pelo correio. "é o pessoal mandando CDs para eu resenhar no zine". A criatividade não tem limites.
Tem aquele caso de um cara que chegava em casa sempre com um amigo, que levava a sacolinha. Ele entrava sozinho, sem nada em mãos, ia até o quarto e abria a janela. O amigo dava volta escondido pelo quintal, chegava embaixo do quarto e passava os preciosos disquinhos pela janela, que ginástica.
Outro cliente na hora de marcar o valor no canhoto do cheque, ficou pensativo: "humm, deixa eu ver o que vou marcar aqui. Minha mãe fiscaliza meu talão, não posso escrever cd, se não vou ouvir pra caramba. Já sei: 'calça, 30 reais'." Aí tive que intervir para ajudar: "não acho boa ideia, sua mãe vai perceber que você não comprou uma calça." A solução mais comumente usada nesses casos é riscar um X no canhoto e escrever "cheque preenchido errado."
O caso mais triste que temos notícia é de um cliente, em fase de marcação cerradíssima da esposa, que comprou o box de 4 CDs do Crosby, Stills e Nash. Como era ítem grande e chamativo, ele não teve dúvidas: jogou fora a caixa e ficou só com os CDs separados, que não ocupariam espaço e passariam desapercebidos. Nosso amigo preferiu essa opção a criar uma crise em seu casamento. Um verdadeiro mártir.
Bem, imagino que com esta coluna tenha estragado os principais esquemas de camuflagem das aquisições. Peço desculpas, juro que não foi minha intenção. Tenho certeza que vocês conseguem imaginar novas e criativas formas de não "dar bandeira."

André Fiori é dono da loja Velvet CDs. Texto originalmente publicado na edição 4 da Revista Zero  

quarta-feira, 4 de março de 2015

A quem interessa o impeachment?

O Brasil, assim como outros países, vive um momento que podemos chamar de crise. Com o descontentamento imediato da população, algumas pessoas pensam que a solução de todas nossas mazelas está em pedir a cabeça de alguém e rapidamente a presidente Dilma Rousseff foi eleita para ter seu cargo na alça de mira. A palavra mais ouvida nos últimos dias é que a presidente tem que passar pelo impeachment.
Dilma talvez não seja a presidente dos sonhos de muitos brasileiros, a eleição do ano passado deixou isso muito claro, mas o que será que motiva muitas pessoas a pedirem sua saída após dois meses de seu segundo mandato? Quais as reais intenções para ver a presidente fora? Claro que o governo erra, não há pessoa que não cometa erros, mas será que os erros dela são maiores do que outros que passaram pelo cargo? Isso também não justifica, sabemos que é tão criminoso aquele que rouba um milhão quanto aquele que rouba um real, mas porque diferenciamos tanto a maneira como lidamos com isso?
Outro ponto que é preciso destacar é que atualmente não vivemos em um regime ditatorial e sim democrático. Dilma não governa sozinha, temos ministros, existe o Senado, a Câmara dos Deputados, temos governadores, prefeitos e vereadores. E o atual momento de crise que vivemos, com tantos para mandar, a culpa é somente da presidente? Será que a população ao tirá-la de seu cargo, todos nossos problemas serão resolvidos da noite para o dia? E qual parcela de culpa de cada cidadão nesta atual crise que vivenciamos?
Apontar para alguém e afirmar que ela está errada é uma atitude simplista e fácil demais, mas será que enxergamos a situação por todos os ângulos possíveis para tentarmos realmente detectar o que ocorre? Quando temos tantos problemas é preciso analisar a situação por seus vários pontos de vista e também olharmos para o passado.


É inevitável as comparações com outros governantes e períodos, é através da análise da história que podemos evitar erros cometidos em outrora. Dilma inicia seu segundo mandato com muitos problemas e muitos reclamam que ela enganou a população durante sua propaganda eleitoral. Mas quem viveu em 1999 lembra-se que o início do segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso (FHC) também foi muito conturbado. A crise pela qual passamos àquela época foi parecida com a atual ou até pior, mas ninguém falou em impeachment.
O argumento de que a corrupção nunca foi tão grande como o momento atual também é infundado. Talvez nunca tenha sido tão divulgado os casos ocorridos como neste período e também talvez nunca houve tanta apuração. Como vamos acreditar que os governos militares não foram tão corruptos quanto o atual se no auge da ditadura, jornais eram impressos com receita de bolo pois nada podia ser publicado?
Dizer que existe somente um culpado pode ser um grande erro que cometemos pois já paramos para pensar, caso a presidente deixe seu cargo, em quem irá substitui-la? Muitos dizem em uma nova eleição, mas quem seriam os candidatos? Será que não há pessoas interessadas em ‘golpismo’ por trás de tudo isso? A quem interessaria um novo pleito eleitoral? O que teríamos de novo?
Como poderemos deixar o país nas mãos de um congresso tão ruim quanto o atual? E por que não se discute as situações dos estados? A atual situação do Estado de São Paulo, considerado o mais desenvolvido da nação, também é muito ruim. Estamos a poucos meses de um colapso no abastecimento de água, denúncias de corrupção também são realizadas e escândalos tão ignóbeis quanto os casos da Petrobras e do BNDES. Por que ninguém mais comentou sobre o desvio na construção do metrô? E os envolvidos no caso Alstom? Havia até secretário do governador sendo investigado. E a situação do povo do Paraná, a greve dos professores, os cortes em benefícios aos trabalhadores e nos investimentos nas instituições públicas de ensino?
Será que somente a Dilma é culpada por tudo isso? Será que este momento de crise não servirá para o povo ir às ruas para cobrar melhorias e dar apoio a todas as investigações em casos de corrupção? Por que não cobrar a própria mídia, todos têm um lado, mas a maioria teme em assumir posição, ao invés de simplesmente pedir a cabeça de alguém? Por que não acompanharmos mais próximos os trabalhos dos deputados e senadores? Por que não sermos mais ativos em participações populares?
Em nossa vã filosofia, esquecemos que quando apontamos um dedo para alguém, há quatro apontados para nós. O atual governo errou, erra e ainda errará mais vezes, mas todos nós erramos. E que nosso erro que está prestes a vir não nos tire de nosso caminho e vale lembrar: se queremos mudanças e reformas, é preciso bagunçar tudo antes. O Brasil vive um momento em que podemos passá-lo a limpo. Chega de sermos “massa de manobra” vamos pensar por nós mesmos. Nenhuma construção inicia-se pelo telhado e sim por uma base sólida. Só teremos um país melhor quando nossas cidades forem melhores. E para que isso ocorra, cada um precisa fazer sua parte, chega de deixar as decisões somente nas mãos de políticos, pois há muitos “politiqueiros” que estão apenas preocupados com seu próprio benefício. Não há nada tão ruim hoje que não possa piorar, nem toda evolução é positiva, pense nisso.