segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Scliar Eterno


É com muita tristeza que encerramos os posts do blog Canibal Vegetariano em fevereiro de 2011. Estamos tristes, pois, na madrugada de 27 de fevereiro, o Brasil perdeu um grande escritor, um de seus melhores "contistas", como dizem alguns escritores. Foi nesse dia que Moacyr Scliar, médico e escritor, nos deixou aos 73 anos. Scliar deixa saudades e uma vasta coleção de livros, foram 74 obras publicadas no Brasil e vários deles foram publicados em 40 países do mundo. O escritor de descendência judeu-polonesa, nascido em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, era mestre em "casar" ficção e realidade, assim como ninguém lidava muito bem com todo o drama enfrentado pela comunidade judaica ao longo dos anos.
No final de 2009, nós do blog/zine Canibal Vegetariano entrevistamos Scliar que falou sobre literatura, música, educação, futuro do país entre outros assuntos. Postamos a entrevista no dia 25 de dezembro daquele ano, como presente de Natal aos nossos leitores. Agora, com muita saudade, estamos postando novamente esta entrevista, que com certeza, foi uma das melhores já realizadas pelo zine. A entrevista esta sendo novamente veículada como forma de agradecimento a este escritor que levou muito conhecimento e fez com que muitos leitores refletissem sobre suas vidas e sobre o mundo no qual vivem. A única mensagem que podemos deixar é: Valeu Scliar, obrigado por tudo!!!! Abaixo vocês ficam com a entevista na íntegra.  

Fanzine Canibal Vegetariano

O escritor gaúcho Moacyr Scliar e o editor do blog/zine Canibal Vegetariano na Bienal do Livro em São Paulo, 20 de agosto de 2010. Scliar era um mestre com a escrita e uma pessoa extremamente simples 

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009


Nas trincheiras da cultura, Moacyr Scliar fala sobre sua vida e obras

Para encerrarmos muito bem 2009, nós do blog/zine Canibal Vegetariano, entrevistamos um dos escritores mais famosos e reconhecidos do Brasil. Autor de livros como o "Exército de Um Homem Só", Mês de Cães Danados", "Max e os Felinos" e "Centauro no Jardim", o escritor, médico e professor Moacyr Scliar, falou sobre seus vários trabalhos e contou um pouco sobre seu ponto de vista político.

Canibal Vegetariano: Faça uma apresentação de sua pessoa para nosso leitores.
Moacyr Scliar: Sou porto-alegrense, filho de imigrantes pobres, médico, escritor e uma pessoa extremamente simples.

CV: Com quantos anos o senhor escreveu sua primeira obra? E desde qual idade o senhor é escritor e o motivo que o levou a escrever? 
MS: Escrevo desde a infância, estimulado por uma mãe professora que era grande leitora. Minhas primeiras histórias eram narrativas de criança, mas quando entrei na Faculdade de Medicina surgiu uma nova temática na qual se baseou "Histórias de médico em formação", meu primeiro livro de 1962.

Arquivo Pessoal


Moacyr Scliar (ao lado) já conquistou vários prêmios de literatura e tem várias de suas obras publicadas em vários países

CV: Como é a vida de escritor no Brasil, um País em que as pessoas não tem o hábito da leitura? E de onde vem a inspiração para suas estórias?
MS: É certo que no Brasil ainda se lê pouco, mas tenho muitos leitores, sobretudo entre o público juvenil. E baseio minha ficção numa variedade de fontes: episódios históricos, notícias de jornal, pessoas que conheci, a Bíblia...

CV: Além de escritor, o senhor é médico e professor universitário. Qual a opinião do senhor, sobre a educação e saúde no Brasil? E o nível cultural das pessoas, o senhor acredita que atualmente é muito diferente de quando começou a publicar seus livros? Melhorou ou piorou?
MS: O Brasil tem muitas deficiências, tanto na área da saúde como na da educação, mas melhorou muito. Os dados mostram que os brasileiros vivem mais, se alimentam mais, lêem mais.

CV: Qual sua opinião sobre o governo Lula? E o que o senhor pensa desses presidentes, como Chaves e Evo Moralez e outros da América do Sul, que defendem a censura, a orgãos de imprensa, entre outras arbitrariedades? 
MS: No presidente Lula admiro sua empatia para com a população, mas acho que às vezes fala de forma precipitada. E como alguém que viveu sob a ditadura, não posso concordar com atitudes anti-liberdade de imprensa, como as de Chavez.

A obra "Mês de Cães Danados", como em muitos textos do escritor, mistura realidade e ficção

CV: Com a cena política atual da América do Sul, o senhor acredita que nós possamos viver novamente um período de autoritarismo como a Europa viveu entre as décadas de 20 e 40 do século passado, com tiranos como Hitler e Mussolini?
MS: Não, não acredito. Acho que aprendemos nossa lição.

CV: Mudando de assunto, o senhor é membro da Academia Brasileira de Letras há quase 10 anos, tem vários livros publicados no Brasil, em vários estilos, tem obras publicadas em mais de 12 linguas diferentes. O senhor acredita que seu trabalho tem o devido reconhecimento em nosso País? E como suas obras foram recebidas pelo público do exterior?
MS: Sou daqueles escritores que não têm do que se queixar: fui, sim, reconhecido em meu País e no exterior. E é muito gratificante viajar para um País como os Estados Unidos e discutir com leitores, sobretudo jovens, literatura brasileira, o que é um aprendizado para eles.

CV: Alguns de seus livros são citados em algumas músicas, principalmente dos Engenheiros do Hawaii, casos como "O Exército de Um Homem Só", que inclusive é o título da canção e tem a música "Descendo a Serra", em que Humberto Gessinger cita "Mês de Cães Danados". Como o senhor se sentiu quando ficou sabendo e ouviu essas citações? E o senhor acredita que música e literatura podem "caminhar" juntas?
MS: Não tenho dúvidas de que literatura e música podem se associar, e no Brasil isto é muito comum. Para mim é motivo de orgulho; acho que um bom compositor é tão importante quanto um bom escritor.


O título do livro (na foto ao lado) é citado pela banda gaúcha Engenheiros do Hawaii, em uma de suas canções e dá nome a ela. A música é uma das mais populares da banda

CV: Exército de Um Homem Só é um de seus livros que foi escrito há quase 40 anos e continua atual até hoje. Como o senhor explica esse fenômeno? E ele é um de seus preferidos, pois o senhor cita-o bastante na obra "Enigmas da Culpa".
MS: Sim, "O Exército" é muito lido, e acho que é por causa do tema: ele fala da revolta contra a injustiça, do desejo de mudar o mundo, coisas que para minha geração eram tremendamente importantes. O nosso sonho desmoronou, mas acho que os ideais atrás dele permanecem válidos.

CV: Falamos sobre música e literatura. Além dos Engenheiros, há várias bandas que gravam discos e músicas baseados em obras literárias, além de músicos que escrevem livros e se manifestam através de outros tipos de arte, um exemplo é o Arnaldo Antunes. Com tudo isso, na sua opinião, qual seria o motivo para termos poucos leitores e novos escritores com obras interessantes? 
MS: O Brasil tem um longo passado de analfabetismo, do qual apenas agora estamos saindo. Mas o número de leitores vem crescendo, e entre os jovens escritores há gente com muito talento.

CV: Uma de suas obras, Sonhos Tropicais, foi adaptada para o cinema. Como o senhor vê essas adaptações que são muito comuns no exterior, aqui ainda não, e qual sua opinião sobre o filme. Para o senhor que escreveu, o filme é fiel a suas ideias?
MS: Gostei muito dessa adaptação, como gostei da peça baseada em "A mulher que escreveu a Bíblia", mas nem sempre a transposição para a tela ou para o palco dá certo. De qualquer modo, parto do princípio que o escritor não deve interferir na adaptação.

CV: Além de sua vasta obra, ser membro da academia, o senhor ganhou vários prêmios de literatura. Qual a importância desses troféus para um escritor?
MS: Prêmios são importantes: representam reconhecimento (especialmente no caso do importante Jabuti) e às vezes uma grana não desprezível... Mas o melhor juri é aquele que cada escritor tem dentro de si.

Arquivo Pessoal

Mesmo após várias obras publicadas e ser reconhecido no Brasil e no exterior, Moacyr afirma ser uma pessoa simples

CV: Fora os livros, o senhor escreve para vários jornais. Desde que a Internet se popularizou, várias pessoas acreditam que os exemplares impressos de livros e jornais serão extintos. O senhor acredita que isso possa acontecer. Várias editoras já começaram a comercilizar os "e-books". O que o senhor pensa a esse respeito?
MS: A mídia eletrônica veio para ficar, mas o livro ainda tem uma longa sobrevivência. A mim não importa como serei lido; o que importa é que meus textos sejam, literariarmente, os melhores possíveis.

CV: Se possível, cite os seus cinco autores favoritos e as cinco melhores obras que o senhor já leu. E quais são suas principais influências?
MS: Influências: Érico Veríssimo, Franz Kafka, Guimarães Rosa. Cinco grandes obras: Dom Quixote, de Cervantes, A metamorfose de Franz Kafka, O alienista, de Machado de Assis, A hora da estrela, de Clarice Lispector, Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll.

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