Por Ivan Gomes
Música, rock, punk, hardcore, metal, pop, brega... Não
importa o formato, o que vale mesmo é a qualidade da música e como ela afeta o
ouvinte. Música desperta paixões, sejam elas boas ou ruins, se é que é possível
existir alguma paixão que seja possível ser considerada boa, positiva etc.
Sou um cara nascido no final da década de 1970 e ouço música
desde que me conheço por gente. Em casa, minha mãe sempre teve seu “radinho de
pia”, sim, pia, o rádio ficava sobre a pia àquela época e por meio dele era
possível ouvir programas de locutores famosos e que rolavam todo tipo de estilo
musical, principalmente o pop rock brasileiro que surgia no início dos anos
1980.
Com música em casa por mais de 15 horas por dia, de domingo
a domingo, foi muito fácil entender que o som que propagava daquela pequena caixa,
entre o plástico e a madeira, era algo essencial para vida. E além do rádio,
minha mãe tinha um toca-discos e uma pequena coleção de vinis. Havia os grandes
e os pequenos, chamados de disquinhos, que mais tarde fui descobrir que eram os
singles.
Ao ouvir os discos e depois ao ouvir a mesma música no
rádio, descobri que era possível pagar para ter as canções em casa e ouvi-las
quando bem entendesse. E foi devido ao rádio que houve o despertar de um
ouvinte e com o passar dos anos do colecionador de discos e apreciador de
muitas bandas.
E foi devido aos sons que me identificava por meio do rádio
e depois ao ver os caras na TV, em programas pitorescos de auditório, que
comecei a ser presenteado com discos. Depois disso, devido a grande crise
financeira, (quando o Brasil não teve uma?) fui presenteado com um rádio
toca-fita e com duas fitas “virgens”. Como comprar disco havia ficado caro, fui
presenteado com essas pérolas que mudaram definitivamente o modo de vida.
Sem grana para os discos, o jeito foi gravar as músicas
preferidas nas pequenas fitas. E com o passar do tempo, notei que na escola
mais algumas pessoas faziam o mesmo esquema, principalmente a galera que
começava a se interessar pelo rock, fosse ele brasileiro ou não.
Com o passar do tempo, a situação ficou menos ruim e foi
possível novamente ganhar discos de presente. E as fitas ajudavam, afinal,
ouvíamos muita música e aquelas que realmente “batiam” eram selecionadas. E
além de escolher de uma maneira melhor o que queríamos ganhar, gravar fitas nos
fazia ser parte de um seleto grupo, isso era algo importante, principalmente na
transição da infância para adolescência.
E o que todo esse “monte” de palavras tem a ver com o
“streaming” e a música que podemos ter em casa no formato físico? Acredito que
tudo, afinal, a dificuldade financeira nos fez ouvir muita música grátis para
na hora da compra, efetuar aquela que realmente fazia você se situar fora do
lugar. É o que hoje noto nos serviços vendidos pela internet. Música de todos
os estilos, ventiladas para todos os lados, mas compramos realmente aquelas que
realmente nos dão a sensação de desconforto.
Assim como ouvíamos diversos programas de rádio, em AM e FM,
e assistíamos a programas musicais na TV, hoje temos um leque ainda maior de
informação, com diversas plataformas somente para música, temos vídeos, temos
redes sociais nas quais os artistas estão lá, disponíveis 24 horas por dia,
todos os dias da semana.
E como anda o consumo de música nos dias atuais? Não faço a
mínima ideia! Quando fui convidado para escrever esse texto para primeira
edição da revista Raro Zine, German me deixou livre, então parti da premissa
das minhas experiências e do que acompanho dos amigos próximos e alguns
colegas.
O que noto, é que ainda existe um saudosismo com o passado,
não apenas da maneira do formato como a música chega até nós, mas como eram as
bandas e tudo o mais que as cercavam. Há ainda os colecionadores de vinis, de
CDs e agora surgiu a coleção de K7, as fitinhas.
Atualmente não uso mais fitas para gravar as canções que
chamam minha atenção, pois tudo está “mastigado”. Acesse site tal, ou
aplicativo, e por lá você encontra isso, aquilo, rádios webs, as plataformas de
streaming, os vídeos. Nunca foi tão fácil ouvir música e acredito que nunca
houve tanta produção de música, em todos os estilos.
A tecnologia nesse quesito foi uma benção. Com um clique,
você ouve bandas de todos os estilos e de qualquer parte do mundo. Na infância
não era assim que funcionava, você era afetado por determinado estilo, ou
canção, que alguém havia selecionado. Hoje não mais, não há limites, nem
fronteiras, você é seu próprio produtor.
Além disso, atualmente a situação econômica é capenga, mas,
mesmo assim, pode ser considerada melhor do que era no final dos anos 1980,
início dos anos 1990. Naquele período, os aparelhos eram limitados, para ouvir
música portátil era preciso ter um walkman e havia o limite de tempo da fita.
Atualmente você carrega discografias, centenas delas, em seu próprio aparelho
de telefone móvel.
Todavia, penso que pouca coisa realmente mudou desde então.
Exceto as mudanças econômicas e o avanço tecnológico, a música ainda emociona,
isso é o mais importante. Se vamos ouvi-la em vinil, K7, streaming, no som mais
potente do momento ou no fone do celular, isso chega a ser irrelevante, o que
importa é que as canções estão soltas no mundo.
Algo que também precisa ser dito é que quando gostamos de
determinada banda, isso nos faz querer consumir seu som, pois além de ouvirmos
queremos cooperar com as pessoas que se dedicam a este importante ofício,
afinal, só quem tem banda sabe o quanto é caro aprender a tocar, comprar e
fazer manutenção de seus instrumentos, gravar, ensaiar etc.
O lado positivo do streaming é esse... oferecer o que há de
música por aí, para você dar aquela peneirada e adquirir material daquelas
bandas que realmente tem algo a nos dizer, que vai além dos acordes... Com esta
nova modalidade, você pode comprar sua canção e ficar ali, em qualquer ponto do
mundo em uma viagem constante sem sair do local onde está.
Atualmente não tenho mais walkman, discman, um avanço brutal
da tecnologia nos anos 1990... Mas tenho um celular e nele carrego muita coisa
para ouvir, seja na caminhada, a caminho do trabalho, antes de dormir. A
tecnologia me proporciona entrar em contato com uma gama absurda de sons. Se
todos fossem em formato físico, teria que dormir na varanda.
Por isso, para mim, o streaming e os downloads são fitas com
seu tempo estendido. Ouço, peneiro bem e compro os CDs das bandas que realmente
me dizem algo. E com o passar do tempo, é normal ter alguns discos que não te
dizem mais nada, ainda bem que até hoje há pessoas que compram ou trocam por
algo que realmente quero ter.
Portanto, como escrevi no início do texto, para mim pouco
importa a maneira como a música chega até onde estou, pois o importante é como
sou afetado por ela. Muito mais interessante que os formatos, o que vale mesmo
são as canções. Às vezes bate um saudosismo, aí procuro ouvir algo na radinho,
mas longe da pia, afinal, o avançar da tecnologia e do tempo, fez tudo ficar
compacto. Não deixe sua vida ficar compacta, expanda-a! Ouça música!
Ivan Gomes, 42 anos, é jornalista, professor, torcedor do
Santos, produtor e apresentador do programa A Hora do Canibal, que vai ao ar
toda virada de segunda para terça-feira, à meia-noite, pela Mutante Rádio.