segunda-feira, 6 de maio de 2024

A terra tremeu em Várzea Paulista


A noite de sábado, 4 de maio, foi uma chona atípica de outono no Estado de São Paulo, principalmente em Várzea Paulista, com mais exatidão no D’Villas Drinks. Foi no mencionado bar que estava previsto a apresentação de três bandas: Fim da Aurora, Rosário, ambas de Jundiaí, e Bayside Kings, de Santos.

A noite prometia pois não é sempre que bandas de crossover, metal extremo e hardcore se apresentam no mesmo palco e o calor estava muito além do normal para o período do ano, algo que nos obrigou a buscar uma hidratação assim que adentramos o recinto, que recebia um bom público.

E a primeira banda a se apresentar foi a Fim da Aurora. Conheço a banda há alguns anos, mas nunca havia visto uma apresentação ao vivo. Mas com o passar dos anos e muitos e muitos shows assistidos, faz com que eu não crie expectativa. E o bom de não criar expectativa é de que quando você acompanha algo, a surpresa pode ser muito boa!

E o show dos caras, da minha percepção, foi uma apresentação brutal, um verdadeiro “arrasa quarteirão”. Quatro caras, uma única guitarra e com os guturais de Dedo, o vocalista, a banda causou o primeiro abalo. A resposta de parte da plateia foi imediata e rodas e gingados, que me lembraram capoeira, tomaram conta do local.

A performance de Dedo também foi outro ponto mais do que positivo. Ouvi-lo no disco e conversar com ele em uma quinta-feira normal de futebol é uma situação, mas vê-lo no palco e com toda aquela energia, é outro impacto.

De acordo com meu camarada “Animal”, que presenciou essa noite de festa, disse que o som remete ao que de melhor o metal extremo pode proporcionar, entre o black e o death, que nós gostamos de chamar de “detão”.

Antes do encerramento do show dos caras, eles chamaram ao palco o camarada Gabriel Cuaê, também conhecido como Gabriel Coração. O cara que por um período foi baterista da banda Rosário, fez uma “tabelinha” com Dedo e os vocais em dobro fizeram o lugar ficar ainda mais quente e insano.

Após uma apresentação espetacular da Fim da Autora, chegou a vez da banda Rosário. Missão nada fácil, mas com a experiência do agora quinteto, os caras deram conta do recado e mostraram toda fúria de seu hardcore. Com o público mais do que aquecido, a banda que tem Guilherme Malaquias no vocal, botou todo mundo para agitar.

Foi a segunda apresentação que vi em formato quinteto e posso dizer que a banda tem se saído melhor do que esperava e com a “torcida a favor”, eles demonstraram que estão entrosados e ainda há espaço para mais brutalidade no som. E antes do encerramento, Gabriel Coração e Dedo também deram uma palhinha na apresentação da banda, assim como o baterista Fu, da banda Respiro, que atacou nos backing vocals.

E para fechar a noite, foi a vez da banda Bayside Kings. Veria os caras pela primeira vez e algo antes do início da apresentação chamou-me a atenção. Bolas de praia, boias e equipamentos de piscina foram distribuídos em meio ao público.

E quando a banda iniciou os primeiros acordes, eram só rodas de pogo, movimentos que lembravam capoeira e artefatos de piscina para todos os lados. O show foi algo brutal, que culminou com o encerramento de uma noite incrível e com chave de ouro. Uma apresentação que será ainda muito lembrada.

E ao final, durante a última rodada de hidratação antes de pagar a estrada, restou tempo para passar pelas banquinhas e contribuir com as bandas que fizeram apresentações incríveis e mostram que podemos ter muitos mais eventos como esse, pois nossos ouvidos agradecem.

Texto: Ivan Gomes

Fotos: Pedro Henrique/@ph.fotos

terça-feira, 12 de dezembro de 2023

‘Festival do Caramelo’

Por Ivan Gomes


O final da tarde e início da noite de domingo (10) foi marcado por três ótimos shows que rolaram no D’Villa Drinks, em Várzea Paulista/SP. Rosário, Fistt e Garage Fuzz fizeram a festa de uma galera que compareceu em bom número para o evento organizado pela Time Bomb Wear e Oba! A festividade marcou a volta, em definitivo, da Rosário aos palcos, após alguns anos de hiato.

E a festividade que não possuía um nome próprio o apelidei de “Festival do Caramelo” pois assim que cheguei ao D’Villa, na porta estava um desses simpáticos cães caramelo, mas com um detalhe, este possuía credencial plena para o evento e tinha acesso inclusive aos bastidores, ou seja, o caramelo impõe respeito.

O evento estava marcado para 17h30, exatamente o horário que consegui chegar e logo que me aproximei do bar, foi possível ouvir os primeiros acordes da Rosário que dava o pontapé inicial na festinha. E a banda, que retorna após alguns anos, volta com mudança na formação. Os caras que antes formavam um quarteto, agora se apresentam como quinteto e com a adição de mais uma guitarra, que deixou o hardcore deles ainda com mais peso e abertura para possíveis improvisos antes, talvez, não pensados.

Devido a uma série de fatores na vida pessoal de alguns integrantes, a banda havia dado um tempo. Em agosto deste ano eles se apresentaram no mesmo D’Villa, mas neste fim de ano o show foi diferente, melhor em comparação com o anterior e a mudança na formação mostra que os caras virão com tudo em 2024. Vamos aguardar!

Sobre a apresentação, em pouco mais de meia hora eles entregaram tudo aquilo que se espera do agora quinteto e para quem está acostumado. Agito, riffs, uma excelente interação com o público e muita diversão. Antes de encerrar, houve a participação de Dedo, vocalista da banda Fim da Aurora.

Ao final da primeira apresentação, à noite chegava e o calor aumentava. Isso exigiu uma pausa para hidratação e aquele papo com os camaradas ao lado externo do D’Villa, principalmente em relação aos assuntos de grande relevância, como o futuro do Santos Futebol Clube e o próximo amistoso do Pisa Fofo Futebol Clube. Enquanto isso, ele, o Caramelo, entrava e saía como se realmente fosse o dono do pedaço e “exibia com orgulho” sua credencial plena.

Entre um papo e um sarro e outro, voltamos para o interior do bar para acompanharmos a Fistt, que está há quase três décadas na estrada e tem realizado em muitas cidades a turnê de seu último trabalho, “A arte de perder”. Banda afinada, afiada e os caras despejaram uma pancada de hits, um atrás do outro. O público estava ensandecido, no mais do que bom sentido da palavra, cantou cada música junto ao vocalista Nick. Se não me falha a memória, essa foi a primeira apresentação deles que acompanho Nick de volta ao seu instrumento, o baixo. Outro ponto que acho interessante, é que durante as apresentações em Jundiaí, ou em cidades vizinhas, ao invés de citar o Hangar 110, que está presente na versão de “Ex-underground”, Nick faz referências ao famoso bar do Bilé.

O show foi tão bom que os caras fizeram chover. Enquanto o suor escorria por corpos próximos uns dos outros que não paravam de se mexer embalados pelo punk dos jundiaienses, ao lado de fora uma forte chuva caía. Foi água, suor e punk rock para lavar a alma. A apresentação ainda teve a participação de ex-integrantes que compareceram para prestigiar a banda.

Mas à noite ainda prometia. Assim que a Fistt deixou o palco, houve mais um tempo para hidratação ao lado externo, tudo sendo observado pelo Caramelo, e na sequência viria outra banda clássica do cenário underground nacional, a Garage Fuzz.

Este que vos escreve havia acompanhado outros dois shows dos caras, mas nenhum soou tão redondo quanto o apresentado em Várzea Paulista. A interação entre público e banda foi simplesmente sensacional e serviu para fechar com chave de ouro um domingo de dezembro não tão quente, mas que teve uma temperatura que podemos considerá-la bem alta dentro do D’Villa, pois foi possível acompanhar três ótimos shows.

E como sempre ocorre em eventos desse tipo, ao final, estávamos em muitos não apenas no papo e despedidas dos camaradas, como houve a clássica passada na “banquinha” de camisetas e CDs. É impossível sair sem comprar nada. E antes do retorno para casa, ainda houve tempo para nos despedirmos do “dono” do evento, o cão caramelo.

Para encerrar, peço licença a Daniel ETE, o mestre das caveiras, para escrever aqui uma de suas frases, que resume bem o evento do dia 10: “o mundo do rock é lindo!”

Ivan Gomes, 45 anos, é produtor e apresentador do programa 3 Notas, transmitido semanalmente pela Mutante Rádio e torcedor do Santos Futebol Clube, sua única virtude.

Foto 1: Guilherme Malaquias, vocalista da banda Rosário.

Foto 2: O cão caramelo.

Foto 3: Fabiano Nick, vocalista e baixista da Fistt. 

Todas as imagens captadas por Pedro Henrique, no Instagram: @ph.fotos

quarta-feira, 23 de agosto de 2023

Os deuses do futebol riem da nossa cara...

Por Ivan Gomes

O célebre, saudoso e grande mestre, Eduardo Galeano, disse certa vez que “o futebol é a única religião que não tem ateus”. Só quem gosta dessa modalidade esportiva e torce para algum time compreende o quão profundo é esse pensamento de um dos maiores escritores latino-americano e por que não escrever do mundo? Só para constar, Galeano é uruguaio.

Escrevo essas mal traçadas linhas três horas após o final do jogo entre Santos e Grêmio, disputado na Vila Belmiro, no domingo, 20 de agosto. Para pessoas que não se importam com isso, esse jogo seria só mais um a ocupar parte da grade das redes de televisão, que, para essas pessoas, deveriam transmitir algo com mais qualidade.

Mas quem torce para um time, no meu caso para o Santos, esse jogo era chave, afinal, estamos na virada de turno do Campeonato Brasileiro e meu time faz uma campanha pra lá de pavorosa, tanto que está na zona do rebaixamento e tem flertado de maneira cada vez mais preocupante com a segundona.

A partida também marcava o retorno da torcida santista ao estádio, após cumprir uma suspensão bem dolorida. Com o passar do tempo, vimos novamente que o time não estava nada bem, até que antes do primeiro minuto, da etapa final, sofremos um gol. Pânico geral! Mas ao contrário dos últimos jogos, dessa vez o time manteve a tranquilidade e conseguiu chegar ao empate.

Mas aí que está a ironia e a graça que os deuses gostam de fazer conosco. A peleja encaminhava-se para seu final, passava-se dos 44 minutos do segundo tempo. O Grêmio, que buscava a vitória para assumir a vice-liderança do torneio, pressionava. Mas em um cruzamento para a área, a zaga do Santos tirou a bola em direção à lateral. Um jogador adversário ao ver o rumo que a pelota seguia, correu para o gandula e pediu rápida reposição.

Enquanto o pobre atleta tricolor mendigava agilidade na reposição de bola, os deuses aprontaram. A bola foi em direção à lateral, mas caprichosamente bateu próxima à linha lateral e permaneceu no gramado. Um jogador santista notou que ela não saiu, correu para alcançá-la e deu passe para o gol da vitória do alvinegro praiano... 2 a 1 após 18 míseras partidas sem saber o gosto do triunfo...

Eu tenho dúvidas quanto à existência de alguma divindade, ou divindades, mas creio que há os deuses do futebol. Talvez eles tenham contribuído com o time do Rei Pelé. Mas algumas pessoas que estavam na Vila foram ainda mais além. Elas afirmam ter visto o espírito do rei dar um toque de classe para o atacante santista. Teria sido nosso eterno rei que nos encaminhou para essa importante conquista. Galeano estava certo!

Ivan Gomes, 45, é produtor e apresentador do programa 3 Notas, transmitido semanalmente pela Mutante Rádio, e torcedor do Santos Futebol Clube, sua única virtude

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2022

O encontro da Filosofia Existencialista com Bob Dylan e a Jovem Guarda


Por Ivan Gomes

O professor e filósofo brasileiro Mario Sergio Cortella, em uma de suas palestras, citou um trecho do livro do Apocalipse, da Bíblia, que diz: “Deus vomitará os mornos, pois não é quente nem frio...” Quando pensei no texto para esta edição da Raro Zine, essa fala veio imediatamente em minha mente, pois nas palavras que virão, irei abordar o encontro da Filosofia Existencialista, principalmente de Sartre e Camus, com músicas influenciadas nas obras de Bob Dylan e da Jovem Guarda.

O encontro inusitado ocorreu no disco lançado em 1987 pela banda gaúcha Engenheiros do Hawaii, o segundo trabalho de estúdio dos caras, denominado “A Revolta dos Dândis”. Importante destacar que os gaúchos formaram uma das bandas mais odiadas e amadas do país, por isso a lembrança da fala do Cortella mencionada no início do texto.

“A Revolta dos Dândis” é o nome de um dos capítulos do livro “O Homem Revoltado”, escrito pelo filósofo franco-argelino Albert Camus. Segundo Humberto Gessinger, letrista dos Engenheiros do Hawaii, o disco era para levar o nome de “Facel Vega”, nome do veículo no qual Camus era passageiro quando se acidentou e morreu em decorrência da gravidade dos ferimentos.

Além da citação do capítulo da obra de Camus no nome do disco, “A Revolta dos Dândis” serviu de inspiração para duas músicas, divididas em parte 1 e 2. À época do vinil, as faixas abriam os respectivos lados. As letras, tanto da parte 1 quanto da 2 estão recheadas de ideias baseadas em obras de Camus e do filósofo francês Jean Paul Sartre.

No refrão da faixa de abertura, Humberto canta: “eu me sinto um estrangeiro, passageiro de algum trem, que não passa por aqui, que não passa de ilusão...” O refrão faz clara referência a outra obra de Camus, “O Estrangeiro”. Nesta obra, a personagem principal apresentada por Camus é Meursault, alguém que é indiferente a tudo e a todo momento, para várias situações, diz “tanto faz”. Mas, a vida sempre nos coloca em situações de escolha e uma das principais teses do existencialismo é a angústia que sentimos em relação a isso, não há como viver sem escolher, o fato de não escolhermos entre um e outro é uma escolha.    

Ainda sobre o refrão é possível notar a influência de Sartre que diz que a existência precede a essência e com isso somos lançados no mundo, um mundo que existe há muito tempo antes de nossa chegada e que tem suas próprias regras. Neste mundo, há escolhas e a partir daí podemos nos sentir um estrangeiro, como Meursault, que fica indiferente e não dá a mínima às escolhas.

O sentimento de ser algo que não se encaixa pode ser “o estrangeiro, passageiro de algum trem”, um trem que é uma mera metáfora do que é a vida, uma vida que não passa por ele, pois é indiferente às escolhas, uma vida que não passa de ilusão. A ilusão citada na canção pode ser uma fuga de responsabilidades. Algo que não se encaixa no pensamento existencialista.

A vida é a todo momento uma escolha, gera angústia e a pressão de escolha constante, para algumas pessoas, faz com que elas busquem possível fuga de uma realidade que não foi engendrada por nós. Em apenas uma canção, há toda uma carga existencialista que pode ser trabalhada, refletida e gerar ainda mais angústia. 

E a angústia trazida pelo compositor fica na frase: “entre americanos e soviéticos, gregos e troianos, entra ano e sai ano, sempre os mesmos planos. Entre a minha boca e a tua, há tanto tempo, há tantos planos, mas eu nunca sei pra onde vamos...”

Toda essa angústia é cantada de maneira arrastada com uma melodia marcada por violão e gaita, com imensa influência de Bob Dylan. A música ainda tem baixo e bateria nas marcações, mas ela segue arrastada do início ao fim, que cria todo clima denso para o pensamento existencialista.

JOVEM GUARDA

Com uma abertura de disco que remetia ao folk dos anos 60, do século passado, algo que ia totalmente na contramão do que outras bandas brasileiras faziam à época, pois os Titãs lançaram, em 1986, o “Cabeça Dinossauro”, o Camisa de Vênus eram tidos como punks, os Paralamas iniciavam flerte com estilos influenciados por música latino-americana. O RPM era a banda que mais utilizava da tecnologia e os Ratos iniciavam uma busca por um som cada vez com mais peso e distorção.

Como estavam totalmente na contramão e ninguém na gravadora botava fé nos Engenheiros, os caras aproveitaram para fazer o que estavam a fim no segundo disco. Se na abertura havia influência de Dylan, na canção “Infinita Highway”, uma das mais conhecidas da banda, mesmo com quase sete minutos, Gessinger seguiu com a influência existencialista para a letra, mas o som veio calmo e com guitarras limpas, como muitas bandas, ou conjuntos, da Jovem Guarda faziam.

Em um trecho da canção Gessinger diz: “mas não precisamos saber pra onde vamos, nós só precisamos ir, não queremos ter o que não temos, nós só queremos viver... Sem motivos, nem objetivos. Estamos vivos e isto é tudo.”

O ser humano é isso, não podemos deixar a vida nos levar como queria a personagem de Camus, precisamos seguir o caminho, escuro, deserto, sem saber onde iremos chegar. A única certeza que temos é que somos finitos, mas enquanto estamos aqui precisamos seguir, mesmo sem saber para onde ir.

Ainda neste raciocínio, quanto mais nos fazemos, tomamos a consciência de que não temos motivos para estarmos aqui, nada é pré-determinado, nossa essência é engendrada a partir da existência e das escolhas, sem motivos e nem objetivos, fomos lançados ao mundo e estamos sujeitos a tudo, estamos vivos, não sabemos por qual razão, mas temos um caminho a seguir.    

O texto acima traz pequenos trechos de somente duas canções. Ao todo são 11 faixas que percorrem a sonoridade sessentista, o folk de Dylan, as guitarras limpas da Jovem Guarda e toda angústia existencialista. Mesmo que você odeie a banda, como a maioria, é interessante um dia sentar-se e ler as letras.

Para encerrar, ao contrário de mais de 90% das pessoas que estudam Filosofia e buscam o estudo por influência de algum dos grandes pensadores, eu fiz o caminho contrário. A música além de me levar ao jornalismo, ao ouvir “A Revolta dos Dândis” fui levado a conhecer Sartre e Camus. Após contato com as obras desses pensadores, é que fui conhecer a Filosofia. Por isso que às vezes, sempre, me sinto “um estrangeiro passageiro de algum trem.”

Ivan Gomes é produtor e apresentador do programa A Hora do Canibal pela Mutante Rádio e às vezes participa de rodas de Filosofia em escolas por aí.      

sexta-feira, 20 de novembro de 2020

‘Eu sou apenas um velho latino americano’


Por Ivan Gomes

O saudoso Belchior escreveu uma das músicas mais incríveis do cancioneiro popular brasileiro em seu segundo álbum, denominado “Alucinação”, lançado em 1976. A canção que dá nome ao disco é uma grande pérola, mas podemos falar sobre ela em outra ocasião. Mas o que chama atenção é a canção “Apenas um rapaz latino americano”. Letra, canção e o tema.

Em alguma aula, não me recordo a matéria, mas o assunto era sobre a América Latina, lembro quando um professor disse que apesar de estarmos na América do Sul, o Brasil não se sente parte da América Latina. Um outro comentário disse que sempre demos as costas, afinal, a maior parte da população brasileira vive próxima “à costa leste” do continente.

Mas a música e a cultura sempre existiram como se fossem algo para destruir os muros e nos remeter à importância em se criar pontes. Sim, somos brasileiros, uma mistura de muitas e variadas etnias e sim, somos latino-americanos. Acredito que chegou a hora de não valorizarmos apenas o que o Centro diz ou dita como regra. Está na hora de buscarmos ouvir e conviver mais com nossos Hermanos. Afinal, estamos na periferia do capital, gostem ou não.

E essa convivência tem rendido frutos há algumas décadas e tem aumentado a cada ano. Atualmente, com ajuda das redes sociais, conseguimos ter mais acesso a informação e com isso buscamos sempre ampliar nossos conhecimentos musicais. E em rápidas consultas na rede conseguimos saber mais sobre cada país. E com todo esse acesso, facilitou e despertou ainda mais interesse em saber como está o rock em nossos vizinhos.

Falar sobre o rock argentino é tranquilo, devido a quantidade de bandas de qualidade, em todas as vertentes, que nossos hermanos produzem. Seja no passado ou no que chamamos de underground, os argentinos estão com produção incrível. Me lembro que a primeira vez que ouvi dizer que havia rock na Argentina foi quando os Paralamas do Sucesso trouxeram Charly Garcia. Era apenas um garoto e não entendia nada, não que hoje entenda, mas aquilo chamou atenção. E os Paralamas eram uma banda que com o passar do tempo notei que dialogava muito como nossos vizinhos, com ritmos que fogem do habitual, assim como regravações de algumas canções. Também com o tempo soube que eles são muito queridos, principalmente na Argentina.

Ainda sobre a Argentina, lembro que logo que a Leptospirose voltou de sua primeira “gira” por lá, com passagem pelo Uruguai, conversei com o Quique Brown, vocalista e guitarrista da banda, que disse algo mais ou menos assim: “A Argentina é muito Ramones, punk rock, enquanto o Uruguai é mais ‘Motorhead’”.

Em meu programa de rádio, A Hora do Canibal, que está há quase 12 anos no ar, ao longo desse tempo sempre busquei trazer algumas bandas clássicas e também algumas novidades do que rola em nossos vizinhos. Amigos, colegas e ouvintes também contribuem muito nesta jornada. Foi por meio de meu colega Denis Fontanesi que descobri uma das bandas argentinas que mais ouço, a Nueva Ética. Hardcore de qualidade magnífica e com postura política e ótimos discursos em suas letras.

Na mesma levada trouxe outras bandas como Flema, Los Lótus, The Tormentos, Boom Boom Kid, Fun People, Los Piojos, Soda Stéreo, regravada pelos Paralamas. Da Argentina, em algumas edições do programa rolei muitas bandas que estão presentes em uma coletânea lançada pelo selo Scatter Records, que em 2011 lançou um disco com uma mescla de bandas argentinas, brasileiras, estadunidenses. Lembro de ouvir Autoramas e Macaco Bong nesta coletânea. Os brasileiros sempre muito bem representados e muito queridos pelos hermanos. E para sabemos mais sobre a cena na Argentina, basta acompanhar o Raro Zine, sempre com entrevistas e resenhas.

E sobre o Uruguai, o que dizer do país de Pepe Mujica e do mestre German Martinez? Como disse Quique Brown, o Uruguai é muito “Motorhead”, muito hardcore, muito punk, muito som no talo. Motosierra é uma banda que pode resumir muito bem isso. Uma das bandas mais sensacionais da história do rock está aqui, bem ao nosso lado e tivemos a sorte de poder acompanhá-los em suas apresentações que considero insanas, no mais que bom sentido da palavra. E foi com a Motosierra que fiz uma das entrevistas mais interessantes e doidas para A Hora do Canibal e para meu finado zine/blogue Canibal Vegetariano.

Mas o Uruguai também é Silverados, Gonzo, Los Mokers, Hablan por la Espalda, Chicos Elétricos, Guachass, Austral, entre tantas outras. Gonzo tive o prazer de ver um show dele em Campinas/SP. Uma apresentação visceral e uma aula de rock’n’roll. Da banda Guachass conferi apresentação em Bragança Paulista/SP e foi incrível. Lembro que este show foi no período da tarde e muitos pais que gostam de bons sons levaram seus filhos e, ao final, quase todas as crianças agitavam no palco junto com a banda.

Devido ao espaço não consigo escrever mais, mas há muito o que se dizer e escrever sobre o que tem rolado de bom em nosso continente e como tem rolado, ou rolava antes da pandemia, um intercâmbio muito interessante entre bandas brasileiras e nossos vizinhos.

Há muito para falar sobre a cena argentina, uruguaia, chilena, de onde vem uma das bandas mais sensacionais que vi ao vivo. Foi em um antigo bar do camarada ETC, em Jundiaí/SP. Lembro que quando cheguei para ver a “Against All My Fears”, não enxerguei o vocalista. Mas quando a música começou, o cara mostrou uma raiva e um vocal insano ao extremo que fez estremecer a casa. Se não me engano, os caras alteraram o nome para o espanhol.

Quando se começa a escrever, uma cacetada de imagens e lembranças vem à tona e fica difícil lembrar de tantas situações vividas e nomes. Mas o mais importante é que as bandas estão por aí e que hora ou outra a pandemia irá passar e o que realmente espero é que cada vez mais os organizadores de shows tragam as bandas dos países vizinhos. A cena, se é que podemos chamar assim, está efervescente e há muita banda boa e para todos os gostos.

Chego ao final do texto e nem consegui falar sobre o Peru, Equador, Bolívia, Paraguai, Colômbia e Venezuela. A Venezuela talvez seja algo que um dia ainda venha a escrever sobre as bandas de lá, tenho rolado algumas no programa. Mas chama muita atenção o que tem rolado no país do “roqueiro” Maduro que, no último 13 de Julho, felicitou os ouvintes do estilo com uma foto dos Ratos de Porão.

Iniciei o texto com uma citação ao grande mestre Belchior e fecho com uma alusão aos paulistanos da Flicts, que em 2013, no álbum “Singelos Confrontos”, gravaram a canção “Latino América” que em parte da letra diz: “Nós somos filhos de sangues intensos, cada sangue uma coloração, uma origem, uma direção, todos eles a se encontrar, todos eles a se misturar em nós... somos latino americanos!”

Ivan Gomes, 42, é jornalista, professor, torcedor do Santos e apresentador do programa A Hora do Canibal, pela Mutante Rádio 

domingo, 11 de outubro de 2020

A história que a ‘escola’ não conta


Um dos temas mais discutidos em nosso país atualmente é a questão das escolas e da educação. A pandemia que nos afeta há alguns meses mudou drasticamente a rotina de todos nós. Infelizmente muita gente morreu e uma parte não apenas devido às complicações da doença, mas pela falta de estrutura de nosso sistema de saúde. E saúde tem tudo a ver com educação. E aí você pode se perguntar: por que devo ler isso em uma revista musical? Pois agora vamos entrar no quesito música!

Em algumas conversas recentes com amigos e com minha própria companheira, sempre comento que aprendi mais sobre história e geografia com discos de rock, ou com futebol, do que nos vários anos que passei sentado em alguma cadeira dentro de uma sala de aula. Mas isso não ocorreu por problemas com os professores, mas sim pelo próprio sistema educacional que não permite que nós pensemos sobre os assuntos.

Esse tema é abordado por Mao, vocalista e letrista da banda Garotos Podres, no segundo álbum da banda, lançado em 1988, denominado “Pior que antes”. Em uma das faixas, “Escolas”, Mao traz toda essa revolta e como o sistema não servia para que pensássemos e sim apenas fôssemos massacrados. “Nas escolas, onde a cultura é inútil, nos ensinam apenas a sentar e calar a boca”. Infelizmente, quem trabalha com educação sabe que mesmo 32 anos depois dessa música, o sistema continua o mesmo.

Em outra parte da letra, Mao diz que nas “escolas você aprende que seu destino já está traçado, pois querem os transformar em cordeirinhos domesticados, prontos para serem transformados em operários escravizados.”

Na escola não aprendemos que vivemos em nichos, que existe muito ódio, preconceito entre tantos outros problemas em nossa sociedade. Nas escolas recebemos apenas informações que podem ser úteis para que consigamos alguma colocação no mercado de trabalho, mas não nos ensina a importância de nos sindicalizarmos, o quão é importante contestar ordens obsoletas e não nos submetermos a mandos e desmandos de patrões e chefes. Como diz a canção, nas escolas somos apenas domesticados.

No trecho final da música, Mao deixa a domesticação explícita: “Me mandaram à escola para me dominar, me mandaram à escola para me manipular, me mandaram à escola para me escravizar, me mandaram à escola para me domar”. Fizeram isso com nossos pais, conosco e provavelmente fazem isso com nossos filhos.

E ainda neste álbum, Mao vai lidar com a questão do governo, o fato de não gostar do governo e à época do lançamento do disco à frente da presidência estava José Ribamar Ferreira de Araújo Costa, o José Sarney. “Eu não gosto do governo, não confio no presidente, eu não acredito na ‘Ordem e Progresso’”. A faixa de abertura é um soco no estômago e isso não nos é ensinado nas escolas. O quanto um governo pode ser nefasto para uma população. Atualmente temos um grande exemplo.

Questionar autoridades é algo que não aprendi nas escolas, aprendi com os discos de rock, punk, principalmente com este disco dos Garotos. Pensei que ao invés de nos obrigarem a cantar o famigerado “hino nacional” antes da entrada para as aulas, deveríamos cantar este hino a plenos pulmões, principalmente o segundo trecho: “mas ninguém pode me censurar, pois não sou obrigado a gostar, confiar e acreditar em nada deste mundo.” A educação deveria ser emancipadora, não essa prisão sem grades, uma prisão ideológica, que nos vende a imagem de falsos heróis.

Nas escolas quase nunca falamos ou debatemos sobre a ditadura militar, ou cívico-militar, pois uma parte da sociedade defendeu essa aberração e ainda no final da segunda década do século XXI há ainda quem acredite que homens de fardas e coturnos têm alguma capacidade para administrar um país. Tem gente que não aprendeu o mínimo que a escola oferece e nem aquilo que os discos e bandas ofertam. Pensar não é algo que faça parte da escola.

Toquei no assunto da ditadura pois, na segunda faixa do disco, Mao canta “não queremos anistia aos torturadores, não queremos que os assassinos fiquem impunes. Amordaçaram e torturaram toda uma nação, nos deixaram órfãos de uma mãe pátria”.

Em 1988, quando os Garotos lançaram o “Pior que Antes”, também foi promulgada a Constituição vigente até os dias atuais. Inclusive, o disco foi lançado pouco depois, caso contrário, o disco não poderia conter a faixa “Batman”, a última canção censurada no país. Foi com a Constituição que o país recuperou a liberdade de expressão.

Volto, neste parágrafo, à questão da música “Anistia?”. Quando chegou ao final da ditadura e houve o período de redemocratização, o Brasil não “acertou as contas” com o passado. Pensamos que uma nova lei resolveria todos os nossos problemas. A desgraça da ditadura não foi condenada, ela apenas foi deixada de lado e atualmente vemos os muitos fantasmas que nos cobram. Não conhecer nossa própria história, não fazer os acertos custa caro e pagamos o preço atualmente. Os Garotos cantaram a bola, poucos ouviram, a maioria fez ouvidos moucos. Enquanto isso, na Argentina, nossos vizinhos, as pessoas que participaram da ditadura pagam um alto preço. Houve condenações para que servisse de exemplo e para mostrar quão nefasta é uma ditadura.

Também foi nesse disco que aprendemos sobre como é ser suburbano, ou da periferia. Em “Subúrbio Operário” Mao fala sobre alguém que nasce em um destes lugares espalhados pelo país. “Nasceu no subúrbio operário de um país subdesenvolvido, apenas parte da massa de uma sociedade falida. Submisso a leis injustas que os fazem calar. Manipulam seu pensamento e o impedem de pensar”. Esse trecho inicial nos remete novamente à escola e também à música “Escolas”. Afinal, ele fala novamente sobre manipulação, sem direito a pensar... algo que nos faz falta para construirmos uma sociedade com menos desigualdade e com oportunidades para que as pessoas consigam desenvolver seus potenciais.

Ainda nesta canção, em sua parte final, uma das melhores lições que os Garotos poderiam nos deixar: “Sem esperança de uma vida melhor, pois os parasitas sugam seu suor. Sobrevivendo das migalhas que caem das mesas, dos donos do papel, dos donos do papel.” Nós vamos à escola sem saber o porquê, somos manipulados, vendemos nossa força de trabalho em troca de migalhas... Mas isso não nos é ensinado. Nos vendem a ilusão de que “seremos alguém”, mas os papéis sempre tiveram donos, isso não nos é mostrado. Somos adestrados a engolir as migalhas, sem reclamar, com sorriso no rosto e gratidão a alguma divindade.

Em uma outra faixa, “Caminhando para o nada”, Mao fala sobre uma pessoa que sai apressada para o trabalho, geralmente em meio a uma multidão desesperada enquanto “os donos do capital manobram a economia, saqueando a sua vida e promovendo a miséria geral.” Esta letra poderia muito bem ter sido escrita no momento atual, afinal, o que vimos durante a quarentena? Pessoas desesperadas. Quantos pseudo burgueses saíram às ruas para pedir “a volta da economia” e reabertura de indústrias e comércios não essenciais? Isso também é o reflexo da falta de uma educação emancipatória. Novamente Mao mostra o quanto a escola nos doma, nos domestica. Aceitamos pós-verdades de um lado e de outro sem nos questionarmos. Ainda há uma parte da população que crê em “salvadores da pátria”. Enquanto muita gente segue “caminhando para o nada”, o pequeno grupo que realmente lucra, com risos e lágrimas, seguiu a observar o crescimento de seus números através das telas de seus celulares.

Ainda sobre história, na penúltima canção do CD, “Não questione”, Mao escreve sobre uma criança que passou toda a infância a fim de fazer perguntas sobre se era obrigada a aceitar tudo que lhe é imposto. “Papai mandava ouvir o padre, que mandava ler o livro, que mandava não questionar, nunca, jamais, o padre e o papai.” É com isso que somos obrigados a lidar, não podemos questionar. A escola reprimiu e ainda reprime quando o questionamento tem base. Mas não aprendemos a questionar na escola.

Além de história, com o Garotos também podemos aprender um pouco de Sociologia. A última música do disco “Garoto Podre” traz a história que até hoje acompanhamos os relatos aos montes. O início da música nos traz a referência de que quem vive do outro lado do muro nunca saberá o que ocorre no subúrbio.

A educação que não nos liberta, ao contrário, nos aprisiona, não nos diz que quando conseguirmos um emprego não teremos dignidade. Não aprendemos que quando estamos desempregados, seremos taxados de vagabundos e se formos à greve seremos chamados de subversivos. Mas os Garotos nos ensinaram e ainda ensinam. “Mas se arrumar emprego não lhes dão a dignidade, apesar do sujo macacão e do rosto suado.”

Algumas das canções relatadas neste texto nos ensinam que precisamos questionar sempre, mas com base e conhecimento. Conhecimento não conseguiremos nas escolas, mas precisamos frequentá-las para termos o direito de nos insurgir e tecer as críticas necessárias a esse sistema que até hoje nos manipula e não passa de um verdadeiro faz de conta. Aprendemos que o mundo tem alguns donos, que somos obrigados a viver de migalhas e que não gostar do governo, qualquer governo, é essencial.

domingo, 16 de agosto de 2020

Não importa o formato, o que importa é a música!


Por Ivan Gomes

Música, rock, punk, hardcore, metal, pop, brega... Não importa o formato, o que vale mesmo é a qualidade da música e como ela afeta o ouvinte. Música desperta paixões, sejam elas boas ou ruins, se é que é possível existir alguma paixão que seja possível ser considerada boa, positiva etc.

Sou um cara nascido no final da década de 1970 e ouço música desde que me conheço por gente. Em casa, minha mãe sempre teve seu “radinho de pia”, sim, pia, o rádio ficava sobre a pia àquela época e por meio dele era possível ouvir programas de locutores famosos e que rolavam todo tipo de estilo musical, principalmente o pop rock brasileiro que surgia no início dos anos 1980.

Com música em casa por mais de 15 horas por dia, de domingo a domingo, foi muito fácil entender que o som que propagava daquela pequena caixa, entre o plástico e a madeira, era algo essencial para vida. E além do rádio, minha mãe tinha um toca-discos e uma pequena coleção de vinis. Havia os grandes e os pequenos, chamados de disquinhos, que mais tarde fui descobrir que eram os singles.

Ao ouvir os discos e depois ao ouvir a mesma música no rádio, descobri que era possível pagar para ter as canções em casa e ouvi-las quando bem entendesse. E foi devido ao rádio que houve o despertar de um ouvinte e com o passar dos anos do colecionador de discos e apreciador de muitas bandas.

E foi devido aos sons que me identificava por meio do rádio e depois ao ver os caras na TV, em programas pitorescos de auditório, que comecei a ser presenteado com discos. Depois disso, devido a grande crise financeira, (quando o Brasil não teve uma?) fui presenteado com um rádio toca-fita e com duas fitas “virgens”. Como comprar disco havia ficado caro, fui presenteado com essas pérolas que mudaram definitivamente o modo de vida.

Sem grana para os discos, o jeito foi gravar as músicas preferidas nas pequenas fitas. E com o passar do tempo, notei que na escola mais algumas pessoas faziam o mesmo esquema, principalmente a galera que começava a se interessar pelo rock, fosse ele brasileiro ou não.

Com o passar do tempo, a situação ficou menos ruim e foi possível novamente ganhar discos de presente. E as fitas ajudavam, afinal, ouvíamos muita música e aquelas que realmente “batiam” eram selecionadas. E além de escolher de uma maneira melhor o que queríamos ganhar, gravar fitas nos fazia ser parte de um seleto grupo, isso era algo importante, principalmente na transição da infância para adolescência.

E o que todo esse “monte” de palavras tem a ver com o “streaming” e a música que podemos ter em casa no formato físico? Acredito que tudo, afinal, a dificuldade financeira nos fez ouvir muita música grátis para na hora da compra, efetuar aquela que realmente fazia você se situar fora do lugar. É o que hoje noto nos serviços vendidos pela internet. Música de todos os estilos, ventiladas para todos os lados, mas compramos realmente aquelas que realmente nos dão a sensação de desconforto.

Assim como ouvíamos diversos programas de rádio, em AM e FM, e assistíamos a programas musicais na TV, hoje temos um leque ainda maior de informação, com diversas plataformas somente para música, temos vídeos, temos redes sociais nas quais os artistas estão lá, disponíveis 24 horas por dia, todos os dias da semana.

E como anda o consumo de música nos dias atuais? Não faço a mínima ideia! Quando fui convidado para escrever esse texto para primeira edição da revista Raro Zine, German me deixou livre, então parti da premissa das minhas experiências e do que acompanho dos amigos próximos e alguns colegas.

O que noto, é que ainda existe um saudosismo com o passado, não apenas da maneira do formato como a música chega até nós, mas como eram as bandas e tudo o mais que as cercavam. Há ainda os colecionadores de vinis, de CDs e agora surgiu a coleção de K7, as fitinhas.

Atualmente não uso mais fitas para gravar as canções que chamam minha atenção, pois tudo está “mastigado”. Acesse site tal, ou aplicativo, e por lá você encontra isso, aquilo, rádios webs, as plataformas de streaming, os vídeos. Nunca foi tão fácil ouvir música e acredito que nunca houve tanta produção de música, em todos os estilos.

A tecnologia nesse quesito foi uma benção. Com um clique, você ouve bandas de todos os estilos e de qualquer parte do mundo. Na infância não era assim que funcionava, você era afetado por determinado estilo, ou canção, que alguém havia selecionado. Hoje não mais, não há limites, nem fronteiras, você é seu próprio produtor.

Além disso, atualmente a situação econômica é capenga, mas, mesmo assim, pode ser considerada melhor do que era no final dos anos 1980, início dos anos 1990. Naquele período, os aparelhos eram limitados, para ouvir música portátil era preciso ter um walkman e havia o limite de tempo da fita. Atualmente você carrega discografias, centenas delas, em seu próprio aparelho de telefone móvel.

Todavia, penso que pouca coisa realmente mudou desde então. Exceto as mudanças econômicas e o avanço tecnológico, a música ainda emociona, isso é o mais importante. Se vamos ouvi-la em vinil, K7, streaming, no som mais potente do momento ou no fone do celular, isso chega a ser irrelevante, o que importa é que as canções estão soltas no mundo.

Algo que também precisa ser dito é que quando gostamos de determinada banda, isso nos faz querer consumir seu som, pois além de ouvirmos queremos cooperar com as pessoas que se dedicam a este importante ofício, afinal, só quem tem banda sabe o quanto é caro aprender a tocar, comprar e fazer manutenção de seus instrumentos, gravar, ensaiar etc.

O lado positivo do streaming é esse... oferecer o que há de música por aí, para você dar aquela peneirada e adquirir material daquelas bandas que realmente tem algo a nos dizer, que vai além dos acordes... Com esta nova modalidade, você pode comprar sua canção e ficar ali, em qualquer ponto do mundo em uma viagem constante sem sair do local onde está.

Atualmente não tenho mais walkman, discman, um avanço brutal da tecnologia nos anos 1990... Mas tenho um celular e nele carrego muita coisa para ouvir, seja na caminhada, a caminho do trabalho, antes de dormir. A tecnologia me proporciona entrar em contato com uma gama absurda de sons. Se todos fossem em formato físico, teria que dormir na varanda.

Por isso, para mim, o streaming e os downloads são fitas com seu tempo estendido. Ouço, peneiro bem e compro os CDs das bandas que realmente me dizem algo. E com o passar do tempo, é normal ter alguns discos que não te dizem mais nada, ainda bem que até hoje há pessoas que compram ou trocam por algo que realmente quero ter.

Portanto, como escrevi no início do texto, para mim pouco importa a maneira como a música chega até onde estou, pois o importante é como sou afetado por ela. Muito mais interessante que os formatos, o que vale mesmo são as canções. Às vezes bate um saudosismo, aí procuro ouvir algo na radinho, mas longe da pia, afinal, o avançar da tecnologia e do tempo, fez tudo ficar compacto. Não deixe sua vida ficar compacta, expanda-a! Ouça música!

Ivan Gomes, 42 anos, é jornalista, professor, torcedor do Santos, produtor e apresentador do programa A Hora do Canibal, que vai ao ar toda virada de segunda para terça-feira, à meia-noite, pela Mutante Rádio.