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sexta-feira, 20 de novembro de 2020

‘Eu sou apenas um velho latino americano’


Por Ivan Gomes

O saudoso Belchior escreveu uma das músicas mais incríveis do cancioneiro popular brasileiro em seu segundo álbum, denominado “Alucinação”, lançado em 1976. A canção que dá nome ao disco é uma grande pérola, mas podemos falar sobre ela em outra ocasião. Mas o que chama atenção é a canção “Apenas um rapaz latino americano”. Letra, canção e o tema.

Em alguma aula, não me recordo a matéria, mas o assunto era sobre a América Latina, lembro quando um professor disse que apesar de estarmos na América do Sul, o Brasil não se sente parte da América Latina. Um outro comentário disse que sempre demos as costas, afinal, a maior parte da população brasileira vive próxima “à costa leste” do continente.

Mas a música e a cultura sempre existiram como se fossem algo para destruir os muros e nos remeter à importância em se criar pontes. Sim, somos brasileiros, uma mistura de muitas e variadas etnias e sim, somos latino-americanos. Acredito que chegou a hora de não valorizarmos apenas o que o Centro diz ou dita como regra. Está na hora de buscarmos ouvir e conviver mais com nossos Hermanos. Afinal, estamos na periferia do capital, gostem ou não.

E essa convivência tem rendido frutos há algumas décadas e tem aumentado a cada ano. Atualmente, com ajuda das redes sociais, conseguimos ter mais acesso a informação e com isso buscamos sempre ampliar nossos conhecimentos musicais. E em rápidas consultas na rede conseguimos saber mais sobre cada país. E com todo esse acesso, facilitou e despertou ainda mais interesse em saber como está o rock em nossos vizinhos.

Falar sobre o rock argentino é tranquilo, devido a quantidade de bandas de qualidade, em todas as vertentes, que nossos hermanos produzem. Seja no passado ou no que chamamos de underground, os argentinos estão com produção incrível. Me lembro que a primeira vez que ouvi dizer que havia rock na Argentina foi quando os Paralamas do Sucesso trouxeram Charly Garcia. Era apenas um garoto e não entendia nada, não que hoje entenda, mas aquilo chamou atenção. E os Paralamas eram uma banda que com o passar do tempo notei que dialogava muito como nossos vizinhos, com ritmos que fogem do habitual, assim como regravações de algumas canções. Também com o tempo soube que eles são muito queridos, principalmente na Argentina.

Ainda sobre a Argentina, lembro que logo que a Leptospirose voltou de sua primeira “gira” por lá, com passagem pelo Uruguai, conversei com o Quique Brown, vocalista e guitarrista da banda, que disse algo mais ou menos assim: “A Argentina é muito Ramones, punk rock, enquanto o Uruguai é mais ‘Motorhead’”.

Em meu programa de rádio, A Hora do Canibal, que está há quase 12 anos no ar, ao longo desse tempo sempre busquei trazer algumas bandas clássicas e também algumas novidades do que rola em nossos vizinhos. Amigos, colegas e ouvintes também contribuem muito nesta jornada. Foi por meio de meu colega Denis Fontanesi que descobri uma das bandas argentinas que mais ouço, a Nueva Ética. Hardcore de qualidade magnífica e com postura política e ótimos discursos em suas letras.

Na mesma levada trouxe outras bandas como Flema, Los Lótus, The Tormentos, Boom Boom Kid, Fun People, Los Piojos, Soda Stéreo, regravada pelos Paralamas. Da Argentina, em algumas edições do programa rolei muitas bandas que estão presentes em uma coletânea lançada pelo selo Scatter Records, que em 2011 lançou um disco com uma mescla de bandas argentinas, brasileiras, estadunidenses. Lembro de ouvir Autoramas e Macaco Bong nesta coletânea. Os brasileiros sempre muito bem representados e muito queridos pelos hermanos. E para sabemos mais sobre a cena na Argentina, basta acompanhar o Raro Zine, sempre com entrevistas e resenhas.

E sobre o Uruguai, o que dizer do país de Pepe Mujica e do mestre German Martinez? Como disse Quique Brown, o Uruguai é muito “Motorhead”, muito hardcore, muito punk, muito som no talo. Motosierra é uma banda que pode resumir muito bem isso. Uma das bandas mais sensacionais da história do rock está aqui, bem ao nosso lado e tivemos a sorte de poder acompanhá-los em suas apresentações que considero insanas, no mais que bom sentido da palavra. E foi com a Motosierra que fiz uma das entrevistas mais interessantes e doidas para A Hora do Canibal e para meu finado zine/blogue Canibal Vegetariano.

Mas o Uruguai também é Silverados, Gonzo, Los Mokers, Hablan por la Espalda, Chicos Elétricos, Guachass, Austral, entre tantas outras. Gonzo tive o prazer de ver um show dele em Campinas/SP. Uma apresentação visceral e uma aula de rock’n’roll. Da banda Guachass conferi apresentação em Bragança Paulista/SP e foi incrível. Lembro que este show foi no período da tarde e muitos pais que gostam de bons sons levaram seus filhos e, ao final, quase todas as crianças agitavam no palco junto com a banda.

Devido ao espaço não consigo escrever mais, mas há muito o que se dizer e escrever sobre o que tem rolado de bom em nosso continente e como tem rolado, ou rolava antes da pandemia, um intercâmbio muito interessante entre bandas brasileiras e nossos vizinhos.

Há muito para falar sobre a cena argentina, uruguaia, chilena, de onde vem uma das bandas mais sensacionais que vi ao vivo. Foi em um antigo bar do camarada ETC, em Jundiaí/SP. Lembro que quando cheguei para ver a “Against All My Fears”, não enxerguei o vocalista. Mas quando a música começou, o cara mostrou uma raiva e um vocal insano ao extremo que fez estremecer a casa. Se não me engano, os caras alteraram o nome para o espanhol.

Quando se começa a escrever, uma cacetada de imagens e lembranças vem à tona e fica difícil lembrar de tantas situações vividas e nomes. Mas o mais importante é que as bandas estão por aí e que hora ou outra a pandemia irá passar e o que realmente espero é que cada vez mais os organizadores de shows tragam as bandas dos países vizinhos. A cena, se é que podemos chamar assim, está efervescente e há muita banda boa e para todos os gostos.

Chego ao final do texto e nem consegui falar sobre o Peru, Equador, Bolívia, Paraguai, Colômbia e Venezuela. A Venezuela talvez seja algo que um dia ainda venha a escrever sobre as bandas de lá, tenho rolado algumas no programa. Mas chama muita atenção o que tem rolado no país do “roqueiro” Maduro que, no último 13 de Julho, felicitou os ouvintes do estilo com uma foto dos Ratos de Porão.

Iniciei o texto com uma citação ao grande mestre Belchior e fecho com uma alusão aos paulistanos da Flicts, que em 2013, no álbum “Singelos Confrontos”, gravaram a canção “Latino América” que em parte da letra diz: “Nós somos filhos de sangues intensos, cada sangue uma coloração, uma origem, uma direção, todos eles a se encontrar, todos eles a se misturar em nós... somos latino americanos!”

Ivan Gomes, 42, é jornalista, professor, torcedor do Santos e apresentador do programa A Hora do Canibal, pela Mutante Rádio 

domingo, 16 de agosto de 2020

Não importa o formato, o que importa é a música!


Por Ivan Gomes

Música, rock, punk, hardcore, metal, pop, brega... Não importa o formato, o que vale mesmo é a qualidade da música e como ela afeta o ouvinte. Música desperta paixões, sejam elas boas ou ruins, se é que é possível existir alguma paixão que seja possível ser considerada boa, positiva etc.

Sou um cara nascido no final da década de 1970 e ouço música desde que me conheço por gente. Em casa, minha mãe sempre teve seu “radinho de pia”, sim, pia, o rádio ficava sobre a pia àquela época e por meio dele era possível ouvir programas de locutores famosos e que rolavam todo tipo de estilo musical, principalmente o pop rock brasileiro que surgia no início dos anos 1980.

Com música em casa por mais de 15 horas por dia, de domingo a domingo, foi muito fácil entender que o som que propagava daquela pequena caixa, entre o plástico e a madeira, era algo essencial para vida. E além do rádio, minha mãe tinha um toca-discos e uma pequena coleção de vinis. Havia os grandes e os pequenos, chamados de disquinhos, que mais tarde fui descobrir que eram os singles.

Ao ouvir os discos e depois ao ouvir a mesma música no rádio, descobri que era possível pagar para ter as canções em casa e ouvi-las quando bem entendesse. E foi devido ao rádio que houve o despertar de um ouvinte e com o passar dos anos do colecionador de discos e apreciador de muitas bandas.

E foi devido aos sons que me identificava por meio do rádio e depois ao ver os caras na TV, em programas pitorescos de auditório, que comecei a ser presenteado com discos. Depois disso, devido a grande crise financeira, (quando o Brasil não teve uma?) fui presenteado com um rádio toca-fita e com duas fitas “virgens”. Como comprar disco havia ficado caro, fui presenteado com essas pérolas que mudaram definitivamente o modo de vida.

Sem grana para os discos, o jeito foi gravar as músicas preferidas nas pequenas fitas. E com o passar do tempo, notei que na escola mais algumas pessoas faziam o mesmo esquema, principalmente a galera que começava a se interessar pelo rock, fosse ele brasileiro ou não.

Com o passar do tempo, a situação ficou menos ruim e foi possível novamente ganhar discos de presente. E as fitas ajudavam, afinal, ouvíamos muita música e aquelas que realmente “batiam” eram selecionadas. E além de escolher de uma maneira melhor o que queríamos ganhar, gravar fitas nos fazia ser parte de um seleto grupo, isso era algo importante, principalmente na transição da infância para adolescência.

E o que todo esse “monte” de palavras tem a ver com o “streaming” e a música que podemos ter em casa no formato físico? Acredito que tudo, afinal, a dificuldade financeira nos fez ouvir muita música grátis para na hora da compra, efetuar aquela que realmente fazia você se situar fora do lugar. É o que hoje noto nos serviços vendidos pela internet. Música de todos os estilos, ventiladas para todos os lados, mas compramos realmente aquelas que realmente nos dão a sensação de desconforto.

Assim como ouvíamos diversos programas de rádio, em AM e FM, e assistíamos a programas musicais na TV, hoje temos um leque ainda maior de informação, com diversas plataformas somente para música, temos vídeos, temos redes sociais nas quais os artistas estão lá, disponíveis 24 horas por dia, todos os dias da semana.

E como anda o consumo de música nos dias atuais? Não faço a mínima ideia! Quando fui convidado para escrever esse texto para primeira edição da revista Raro Zine, German me deixou livre, então parti da premissa das minhas experiências e do que acompanho dos amigos próximos e alguns colegas.

O que noto, é que ainda existe um saudosismo com o passado, não apenas da maneira do formato como a música chega até nós, mas como eram as bandas e tudo o mais que as cercavam. Há ainda os colecionadores de vinis, de CDs e agora surgiu a coleção de K7, as fitinhas.

Atualmente não uso mais fitas para gravar as canções que chamam minha atenção, pois tudo está “mastigado”. Acesse site tal, ou aplicativo, e por lá você encontra isso, aquilo, rádios webs, as plataformas de streaming, os vídeos. Nunca foi tão fácil ouvir música e acredito que nunca houve tanta produção de música, em todos os estilos.

A tecnologia nesse quesito foi uma benção. Com um clique, você ouve bandas de todos os estilos e de qualquer parte do mundo. Na infância não era assim que funcionava, você era afetado por determinado estilo, ou canção, que alguém havia selecionado. Hoje não mais, não há limites, nem fronteiras, você é seu próprio produtor.

Além disso, atualmente a situação econômica é capenga, mas, mesmo assim, pode ser considerada melhor do que era no final dos anos 1980, início dos anos 1990. Naquele período, os aparelhos eram limitados, para ouvir música portátil era preciso ter um walkman e havia o limite de tempo da fita. Atualmente você carrega discografias, centenas delas, em seu próprio aparelho de telefone móvel.

Todavia, penso que pouca coisa realmente mudou desde então. Exceto as mudanças econômicas e o avanço tecnológico, a música ainda emociona, isso é o mais importante. Se vamos ouvi-la em vinil, K7, streaming, no som mais potente do momento ou no fone do celular, isso chega a ser irrelevante, o que importa é que as canções estão soltas no mundo.

Algo que também precisa ser dito é que quando gostamos de determinada banda, isso nos faz querer consumir seu som, pois além de ouvirmos queremos cooperar com as pessoas que se dedicam a este importante ofício, afinal, só quem tem banda sabe o quanto é caro aprender a tocar, comprar e fazer manutenção de seus instrumentos, gravar, ensaiar etc.

O lado positivo do streaming é esse... oferecer o que há de música por aí, para você dar aquela peneirada e adquirir material daquelas bandas que realmente tem algo a nos dizer, que vai além dos acordes... Com esta nova modalidade, você pode comprar sua canção e ficar ali, em qualquer ponto do mundo em uma viagem constante sem sair do local onde está.

Atualmente não tenho mais walkman, discman, um avanço brutal da tecnologia nos anos 1990... Mas tenho um celular e nele carrego muita coisa para ouvir, seja na caminhada, a caminho do trabalho, antes de dormir. A tecnologia me proporciona entrar em contato com uma gama absurda de sons. Se todos fossem em formato físico, teria que dormir na varanda.

Por isso, para mim, o streaming e os downloads são fitas com seu tempo estendido. Ouço, peneiro bem e compro os CDs das bandas que realmente me dizem algo. E com o passar do tempo, é normal ter alguns discos que não te dizem mais nada, ainda bem que até hoje há pessoas que compram ou trocam por algo que realmente quero ter.

Portanto, como escrevi no início do texto, para mim pouco importa a maneira como a música chega até onde estou, pois o importante é como sou afetado por ela. Muito mais interessante que os formatos, o que vale mesmo são as canções. Às vezes bate um saudosismo, aí procuro ouvir algo na radinho, mas longe da pia, afinal, o avançar da tecnologia e do tempo, fez tudo ficar compacto. Não deixe sua vida ficar compacta, expanda-a! Ouça música!

Ivan Gomes, 42 anos, é jornalista, professor, torcedor do Santos, produtor e apresentador do programa A Hora do Canibal, que vai ao ar toda virada de segunda para terça-feira, à meia-noite, pela Mutante Rádio.