Canibal Vegetariano: Faça uma apresentação de sua pessoa para nosso leitores.
Moacyr Scliar: Sou porto-alegrense, filho de imigrantes pobres, médico, escritor e uma pessoa extremamente simples.
CV: Com quantos anos o senhor escreveu sua primeira obra? E desde qual idade o senhor é escritor e o motivo que o levou a escrever?
MS: Escrevo desde a infância, estimulado por uma mãe professora que era grande leitora. Minhas primeiras histórias eram narrativas de criança, mas quando entrei na Faculdade de Medicina surgiu uma nova temática na qual se baseou "Histórias de médico em formação", meu primeiro livro de 1962.
Arquivo Pessoal
Moacyr Scliar já conquistou vários prêmios de literatura e tem várias de suas obras publicadas em vários países
CV: Como é a vida de escritor no Brasil, um País em que as pessoas não tem o hábito da leitura? E de onde vem a inspiração para suas estórias?
MS: É certo que no Brasil ainda se lê pouco, mas tenho muitos leitores, sobretudo entre o público juvenil. E baseio minha ficção numa variedade de fontes: episódios históricos, notícias de jornal, pessoas que conheci, a Bíblia...
CV: Além de escritor, o senhor é médico e professor universitário. Qual a opinião do senhor, sobre a educação e saúde no Brasil? E o nível cultural das pessoas, o senhor acredita que atualmente é muito diferente de quando começou a publicar seus livros? Melhorou ou piorou?
MS: O Brasil tem muitas deficiências, tanto na área da saúde como na da educação, mas melhorou muito. Os dados mostram que os brasileiros vivem mais, se alimentam mais, lêem mais.
CV: Qual sua opinião sobre o governo Lula? E o que o senhor pensa desses presidentes, como Chaves e Evo Moralez e outros da América do Sul, que defendem a censura, a orgãos de imprensa, entre outras arbitrariedades?
MS: No presidente Lula admiro sua empatia para com a população, mas acho que às vezes fala de forma precipitada. E como alguém que viveu sob a ditadura, não posso concordar com atitudes anti-liberdade de imprensa, como as de Chavez.
CV: Com a cena política atual da América do Sul, o senhor acredita que nós possamos viver novamente um período de autoritarismo como a Europa viveu entre as décadas de 20 e 40 do século passado, com tiranos como Hitler e Mussolini?
MS: Não, não acredito. Acho que aprendemos nossa lição.
CV: Mudando de assunto, o senhor é membro da Academia Brasileira de Letras há quase 10 anos, tem vários livros publicados no Brasil, em vários estilos, tem obras publicadas em mais de 12 linguas diferentes. O senhor acredita que seu trabalho tem o devido reconhecimento em nosso País? E como suas obras foram recebidas pelo público do exterior?
MS: Sou daqueles escritores que não têm do que se queixar: fui, sim, reconhecido em meu País e no exterior. E é muito gratificante viajar para um País como os Estados Unidos e discutir com leitores, sobretudo jovens, literatura brasileira, o que é um aprendizado para eles.
CV: Alguns de seus livros são citados em algumas músicas, principalmente dos Engenheiros do Hawaii, casos como "O Exército de Um Homem Só", que inclusive é o título da canção e tem a música "Descendo a Serra", em que Humberto Gessinger cita "Mês de Cães Danados". Como o senhor se sentiu quando ficou sabendo e ouviu essas citações? E o senhor acredita que música e literatura podem "caminhar" juntas?
MS: Não tenho dúvidas de que literatura e música podem se associar, e no Brasil isto é muito comum. Para mim é motivo de orgulho; acho que um bom compositor é tão importante quanto um bom escritor.
O título do livro é citado pela banda gaúcha Engenheiros do Hawaii, em uma de suas canções e dá nome a ela. A música é uma das mais populares da banda
CV: Exército de Um Homem Só é um de seus livros que foi escrito há quase 40 anos e continua atual até hoje. Como o senhor explica esse fenômeno? E ele é um de seus preferidos, pois o senhor cita-o bastante na obra "Enigmas da Culpa".
MS: Sim, "O Exército" é muito lido, e acho que é por causa do tema: ele fala da revolta contra a injustiça, do desejo de mudar o mundo, coisas que para minha geração eram tremendamente importantes. O nosso sonho desmoronou, mas acho que os ideais atrás dele permanecem válidos.
CV: Falamos sobre música e literatura. Além dos Engenheiros, há várias bandas que gravam discos e músicas baseados em obras literárias, além de músicos que escrevem livros e se manifestam através de outros tipos de arte, um exemplo é o Arnaldo Antunes. Com tudo isso, na sua opinião, qual seria o motivo para termos poucos leitores e novos escritores com obras interessantes?
MS: O Brasil tem um longo passado de analfabetismo, do qual apenas agora estamos saindo. Mas o número de leitores vem crescendo, e entre os jovens escritores há gente com muito talento.
CV: Uma de suas obras, Sonhos Tropicais, foi adaptada para o cinema. Como o senhor vê essas adaptações que são muito comuns no exterior, aqui ainda não, e qual sua opinião sobre o filme. Para o senhor que escreveu, o filme é fiel a suas ideias?
MS: Gostei muito dessa adaptação, como gostei da peça baseada em "A mulher que escreveu a Bíblia", mas nem sempre a transposição para a tela ou para o palco dá certo. De qualquer modo, parto do princípio que o escritor não deve interferir na adaptação.
CV: Além de sua vasta obra, ser membro da academia, o senhor ganhou vários prêmios de literatura. Qual a importância desses troféus para um escritor?
MS: Prêmios são importantes: representam reconhecimento (especialmente no caso do importante Jabuti) e às vezes uma grana não desprezível... Mas o melhor juri é aquele que cada escritor tem dentro de si.
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Mesmo após várias obras publicadas e ser reconhecido no Brasil e no exterior, Moacyr afirma ser uma pessoa simples
CV: Fora os livros, o senhor escreve para vários jornais. Desde que a Internet se popularizou, várias pessoas acreditam que os exemplares impressos de livros e jornais serão extintos. O senhor acredita que isso possa acontecer. Várias editoras já começaram a comercilizar os "e-books". O que o senhor pensa a esse respeito?MS: A mídia eletrônica veio para ficar, mas o livro ainda tem uma longa sobrevivência. A mim não importa como serei lido; o que importa é que meus textos sejam, literariarmente, os melhores possíveis.
CV: Se possível, cite os seus cinco autores favoritos e as cinco melhores obras que o senhor já leu. E quais são suas principais influências?
MS: Influências: Érico Veríssimo, Franz Kafka, Guimarães Rosa. Cinco grandes obras: Dom Quixote, de Cervantes, A metamorfose de Franz Kafka, O alienista, de Machado de Assis, A hora da estrela, de Clarice Lispector, Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll.
2 comentários:
CHIQUE A ENTREVISTA IVAN, FIQUEI ATÉ CURIOSA EM LER MAIS SOBRE O CARA...PARABÉNS....
DEA
Cara, conheci Scliar justamente a partir do humberto Gessinger. O primeiro livro obviamente foi O Exército de Um Homem Só, depois veio O Ciclo das Águas, Pai e Filho, Filho e Pai e Histórias para (quase) Todos os Gostos, todos eles excelentes leituras. Ainda quero ler Um Mês de Cães Danados e A Mulher que Escreveu a Bíblia.
Ótima entrevista, parabéns!
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